sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Memória oral e pesquisa bibliográfica

Equipe de pesquisa do Projeto “Tropeiros...” percorre 1.172 Km e entrevista cerca de 30 pessoas, buscando histórias desses homens e mulheres viajantes, suas descobertas e aventuras, entre 1930 e 1960, pelas estradas de Minas Gerais.
Foto: Larissa Metzker

Pesquisadores do Grupo Caixa 4 visitaram nove cidades mineiras, entre dezembro de 2009 e janeiro de 2010, realizando mais de 30 entrevistas e trazendo muita história para contar!

Ainda faltaria muito para podermos sustentar um perfil inequívoco de tropas e tropeiros. Buscamos o homem e encontramos sua esposa, buscamos a ‘mulher que espera’ e encontramos aquela que enfrentava a estrada e carreava a tropa! A pesquisa em campo nos surpreende. Pesquisar a memória é ouvir com paciência aquilo o que perguntamos e, principalmente, talvez com mais delicadeza e atenção, aquilo o que o outro nos quer contar...  
[Trecho de Impressões de Viagem, por Larissa Metzker – Coordenação de Pesquisa. Janeiro, 2010]
Foto: Larissa Metzker
Não se pode traçar o recorte exato de um tropeiro mineiro, mas vários deles. Alguns tiveram grandes lotes de burros, outros apenas dois animais! Um escoava grandes produções de suas fazendas, outro apenas trocava alimentos para própria subsistência. Alguns são donos, outros empregados. Alguns têm saudade, outros nem tanta... A rotina podia ser viagens diárias (e breves retornos) para uns, enquanto outros enfrentavam até dois anos de estrada!




Foto: Larissa Metzker
De tudo visto e vivido, algo comum se destacou, sem falhar uma só vez: o cheiro do café novo! Como um endosso ao convite para entrar, a mesa do café se apresentava em toda entrevista. Não como algo particular à vida das tropas ou tropeiros, mas recepção de rotina em toda a comunidade. Esses comportamentos desenham os lugares, traçam seus perfis.
 

Encontramos senhores, senhoras e até crianças dispostas a contar histórias sem restrições. Mas também tivemos que conquistar alguns outros ressabiados, desconfiados e calejados. Cada um daqueles sujeitos que conhecemos nos enriquecia de uma forma diferente. Interessa-me observar a força das mulheres na dia-a-dia daqueles tropeiros. D. Raimunda, por exemplo, intervém, inclusive, nas memórias do marido! É uma mulher enérgica que ousou acompanhá-lo em uma de suas viagens por questionar a “vida mansa” que o tropeiro levava... Já D. Mirica atua no silêncio. A expressão é de quem conhece cada vírgula daquelas memórias do marido, não só porque as viveu e recorda claramente, mas por tantas vezes que já o ouviu contá-las.
[Trecho de Impressões de Viagem, por Larissa Metzker – Coordenação de Pesquisa. Janeiro, 2010]

História 
Tão importante para Minas Gerais e para o Brasil quanto os ciclos do ouro e do café, da cana-de-açúcar e da borracha, o transporte de mercadorias em lombos de mulas burros teve início nos séculos XVII e XVIII, junto ao processo de desenvolvimento da mineração. As tropas eram responsáveis pelo abastecimento das regiões extrativistas, mais distantes dos centros comerciais litorâneos e portos, trazendo mantimentos e produtos manufaturados. E, daqui, levavam produção mineral e matérias orgânicas extraídas em direção ao litoral. A circulação constante e as paradas necessárias contribuíram fortemente para a ocupação do interior fazendo surgir vilas e arraiais pelo sertão, ao longo das rotas das boiadas, e promovendo a integração dessas regiões com o litoral.

Foto: Giselle Fernandes
Castro (2002:71) afirma que os tropeiros incentivaram: o povoamento, a posse da terra, abertura e alargamento de estradas e estabelecimento de redes comerciais. Esse processo seria simplesmente impossível sem o lombo do burro. Hermsdorff (apud Castro 2002:50) explica que esse animal foi usado pela sua resistência, disciplina e capacidade de carga que pode ser explicada pela conformação da coluna e brevidade do dorso. Um burro carregava em média de 90 a 180kg. Toda essa carga era colocada nas tropas pelos tropeiros. 
[Trecho de Relatório de Viagem, por Bruno Aragão – Historiador convidado. Janeiro de 2010]


Este projeto acredita na importância de se lembrar desses homens, do que viveram e como serviram à conformação atual da nossa sociedade. Não foi uma vida fácil, talvez indique origens de dominação, mas teve também sua relevância cultural festiva e de simplicidade. Por tudo isso, é um percurso que vale à pena lembrar!


Referência bibliográficaCASTRO, Evandro Carlos Guilhon de. Tropeiros em Mariana oitocentista. Belo Horizonte, 2002. Dissertação em História, UFMG.

O Grupo Caixa 4 de Teatro de Bonecos